Bater ou não nos filhos quando eles se comportam mal? Para a maioria dos
brasileiros, a palmada é uma medida educativa e eficaz, não reconhecida por
quem a aplica como um ato de violência, mas diversos estudos mostram exatamente
o contrário.
Chinelo, cinta, empurrão, tapas,
beliscões, puxões de orelha. Quando tudo parece falhar, pais utilizam a punição
física em resposta a um comportamento inadequado das crianças. “Este tipo de
violência é tão antiga que se confunde com a própria história da humanidade”,
assinalam as pesquisadoras Paolla Santini e Lucia Williams, do Laboratório de
Análise e Prevenção da Violência da Universidade Federal de São Carlos
(Laprev/UFSCar).
Paolla e
Lucia são autoras de diversas pesquisas sobre o tema e, recentemente,
colaboraram com um artigo (Castigo corporal contra crianças: o que podemos
fazer para mudar essa realidade?) para o livro digital “Comportamento em
Foco”, organizado pela Associação
Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental. Nele, além de uma série de
dados – resultados de pesquisas feitas tanto pelas autoras como por outros
pesquisadores – elas desmitificam argumentos comumente utilizados para
justificar o castigo corporal.
Porque
não bater
Segundo as autoras, os pais
utilizam o castigo físico como uma forma de controlar o comportamento de seus
filhos – geralmente alimentado por uma expectativa irreal que os pais criam.
“Quando o comportamento alvo inicialmente cessa, o comportamento coercivo dos
pais é reforçado”, confirmam. Mas uma ampla pesquisa realizada em 2001 no
Brasil com 894 crianças mostrou que os sentimentos que as crianças relataram
não foram de respeito, mas dor, raiva, medo e revolta em relação aos pais, que
deveriam ser modelos de apoio, carinho e segurança.
Mau gênio, temperamento difícil e
respostas emocionais como choro, medo ansiedade e raiva, são alguns dos
mecanismos que a criança que apanha pode desenvolver com o objetivo de
desestabilizar o adulto.
“Bater ensina a criança a se
comportar pelo medo de ser punida e não em busca de consequências positivas. A
criança aprende que o modelo agressivo é aceitável para resolver problemas”,
diz Paolla.
Um estudo
realizado em 1998 com 17 mil participantes é o mais amplo encontrado na literatura
sobre o tema da vitimização por violência na infância e os efeitos na saúde,
conhecido como ACE Study (Adverse Childhood Experiences
Study). A pesquisa buscou analisar a relação entre múltiplas categorias de
traumas infantis e suas consequências para a saúde e comportamento na vida
adulta. Os resultados mostraram que aqueles que relataram ter vivenciado quatro
ou mais categorias de exposição à violência – entre elas abuso psicológico,
físico ou sexual; violência contra a mãe pelo parceiro; viver com pessoas que
faziam uso abusivo de substâncias -, em comparação àqueles que não enfrentaram
qualquer tipo de adversidade, apresentaram de quatro a 12 vezes mais riscos de
saúde relacionados ao abuso de álcool ou drogas, depressão e tentativas de
suicídio; eram duas ou quatro vezes mais propensos ao tabagismo; e 1.4 a 1.6 em
mais riscos de inatividade física e obesidade mórbida.
“Muitos dizem: ‘eu apanhei quando
criança e sou uma pessoa bem sucedida e feliz. Apanhar foi importante para
isso’. Mas, assim como pessoas sabem que o cigarro faz mal e continuam fumando,
também sabem que a violência é inaceitável e continuam praticando-a. Há pessoas
que fumam e vivem até os cem anos, mas isso não refuta os dados de que fumar
leva à morte precocemente. As exceções são interessantes, mas não alteram os
dados baseados em pesquisas científicas. Portanto, provocar dor ou medo não é a
melhor opção.”
Outro argumento é dizer que hoje
as crianças são mais difíceis do que em outras épocas. “Estamos vivendo uma
mudança cultural, na qual os pais precisam estar mais tempo fora de casa e
muitas vezes têm dificuldades no processo educativo de seus filhos. Assim, as
crianças e adolescentes passam muito tempo sozinhas, na frente da televisão, do
computador, do vídeo game, com pessoas que não são da família, que não se
sentem responsáveis por seu processo educativo ou que não sabem como fazê-lo”,
explicam as autoras. Para corrigir isso, elas indicam que os pais reservem
momentos diários para participação, diálogo e afeto. “Limites e disciplina não
são sinônimos de palmadas, tapas e beliscões. É possível estabelecê-lo sem
utilizar estes recursos.”
“Lei da
Palmada” não tira a autoridade dos pais
Um tema que tem provocado debate
na mídia, o projeto de lei 7672/2010 conhecido como “Lei da Palmada” estabelece
“o direito da criança e do adolescente a não serem submetidos a qualquer forma
de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob
alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos”.
Caso a lei seja aprovada, os pais
que a descumprirem poderão ser punidos de acordo com sansões previstas no
Artigo 129, incisos I, III, IV e VI do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou
seja, os pais poderão ser encaminhados ao programa oficial ou comunitário de
proteção à família, a cursos ou programas de orientação e obrigados a
encaminhar a criança ou adolescente para tratamento especializado.
“A lei não tem como objetivo
condenar ou perseguir os pais ou responsáveis. Ela visa melhorar a qualidade
das estruturas de apoio e atenção aos pais, para que possam educar seus filhos
de forma não violenta, bem como estimular políticas públicas como programas de
treinamento para pais de orientação sobre práticas educativas positivas”,
explicam as pesquisadoras.
Mas parece que ainda há dúvida
entre a população. Uma pesquisa de âmbito nacional sobre este assunto,
realizada pelo Instituto de Pesquisas Datafolha, concluiu que 54% das pessoas
ouvidas são contrárias à aprovação do projeto; 36% são a favor; 6% indiferentes
e 4% não souberam opinar. A pesquisa foi realizada no mês de julho de 2010, com
mais de 10, 9 mil brasileiros com 16 anos ou mais.
Além da opinião sobre o projeto de
lei, também foi perguntado aos entrevistados se eles já tinham agredido
fisicamente seus filhos. Mais da metade, 58%, confirmaram. Outro dado mostra
que 72% daqueles que responderam a pesquisa afirmaram ter apanhado dos pais
quando crianças.
“Sendo assim, os entrevistados
sofreram violência física por parte de seus pais e utilizam a prática contra
seus filhos, apontando a manutenção do ciclo de violência entre as gerações”,
concluem.
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